Mais uma vez o Rio de Janeiro está no foco das atenções. Dois anos depois da vitória da seleção alemã na final da Copa do Mundo no Maracanã, a mesma cidade sediará agora os Jogos Olímpicos de 2016.
Em 2013 e 2014, as brasileiras e brasileiros fanáticos por futebol surpreenderam o mundo com seus protestos contra a Copa do Mundo mais cara de todos os tempos. Desde então, no entanto, as condições se modificaram dramaticamente. Os Jogos Olímpicos, que deveriam ser uma festa da alegria, não comovem nem mesmo os habitantes do Rio de Janeiro, sede do evento. As preocupações são de outra ordem. O Brasil vive uma grave crise: a economia está em recessão, o desemprego cresce. Pior ainda é a crise político-institucional. O processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff foi deslanchado, e é bastante improvável que ela venha a inaugurar os Jogos Olímpicos no dia 5 de agosto ao lado do presidente do COI, Thomas Bach. Há meses, milhares de pessoas protestam nas ruas contra a corrupção, o abuso de poder, a desigualdade social, o desperdício – e sobretudo, contra o governo, algumas também a favor dele. A presidente e seu partido perderam o apoio popular e o governo, a base parlamentar.
A forma como o processo de impeachment tem sido feito, representa um dano para a democracia brasileira por mais que transcorra corretamente do ponto de vista formal. Velhas elites estão de volta – não em nome da democracia, mas para salvar os seus próprios interesses e retomar o poder, coisa que não conseguiram nas eleições de 2014. Teme-se que espaços de participação já conquistados e os debates sociais iniciados sofram sérias limitações e que importantes avanços sociais de modernização dos últimos anos venham a ter retrocessos. Está sendo fortalecida uma aliança de grupos conservadores no parlamento que atacam os já limitados direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, por exemplo.
No contexto da Copa do Mundo de 2014 a Fundação Heinrich Böll e seus parceiros publicaram abrangentes informações sobre os efeitos sociais, ambientais e políticos ligados a realização desse megaevento. A Copa do Mundo e as Olimpíadas são dois megaeventos que transformam fortemente um país como o Brasil. Nós nos perguntamos: o que acontece em eventos desse tamanho com a sociedade? Quem lucra e quem paga a conta? Onde os direitos são atingidos? Há anos o escritório regional no Brasil da Fundação Heinrich Böll acompanha criticamente, junto com seus parceiros e suas parceiras, os preparativos e as consequências da Copa e das Olimpíadas. Os Jogos Olímpicos de 2016 revelam muitos paralelos estruturais com a Copa, assim como especificidades interessantes. Constatamos que, enquanto alguns poucos lucram, a coletividade quase não é beneficiada. Em contrapartida, os custos sociais são imensos. Os responsáveis aprenderam com alguns dos erros da Copa, mas repetiram equívocos, como no caso da remoção dos moradores da Vila Autódromo, apesar da considerável resistência por parte dos moradores e dos protestos nacionais e internacionais. As Olimpíadas de 2016 podem não ser mais caras do que as de 2012 em Londres, mas os custos são bem mais elevados do que os da Copa do Mundo. Atualmente, a conta está oficialmente em cerca de R$ 40 bilhões, mais ou menos 10 bilhões de euros. Além dos custos oficiais existem outros, ocultos, mas consideráveis. Somando tudo, torna-se evidente que, ao contrário do que foi oficialmente anunciado pelas autoridades como os Jogos em que a iniciativa privada pagaria a maior parte dos custos, mais uma vez são os contribuintes que pagam boa parte do pato.
Por essas e outras, os megaeventos de hoje já não se justificam sem deixar um “legado“ para a coletividade. Em primeiro lugar estão as melhorias nos transportes públicos. No Rio de Janeiro é preciso examinar de perto essa questão. Para destacar apenas um aspecto: as vias de transporte rápido de ônibus ligam a longamente esquecida Zona Oeste ao centro, mas na verdade foram construídas a fim de ligar as instalações para as competições olímpicas ao aeroporto, ao centro e aos hotéis. A ampliação das duas únicas linhas de metrô (não se pode ainda falar em uma rede) foi reduzida a um mínimo. O que se concretizou foi a extensão da linha que serve os bairros mais ricos ao longo da orla.
Há algum tempo a opinião pública internacional já teve sua atenção dirigida para a Baía de Guanabara. Patrimônio cultural da Unesco e portão marítimo para o Rio de Janeiro, a baía será local de competições de vela – e continua altamente poluída. O escândalo é ambiental e político. Muito dinheiro já foi desperdiçado nas águas cheias de coliformes fecais, entre outros para construir estações de tratamento que não estão ligadas a redes de canalização de saneamento básico e estão deteriorando. Ao se candidatar aos Jogos Olímpicos, o governo brasileiro prometeu despoluir a baía em até 80% até 2016. A promessa foi adiada sine die.
Os textos deste nosso dossiê evidenciam que os megaeventos esportivos estão menos interessados no esporte em si e nos anseios da maioria da população e mais em objetivos comerciais. Em países como o Brasil, que ainda convivem com uma grande desigualdade social e com a pobreza, é especialmente amargo que, na competição global das cidades e das empresas por mais investimentos de capital, as necessidades de educação gratuita e saúde ou mais espaço para moradia continuem relegadas à margem.